Universalizar o saneamento exige mais que lei
O saneamento básico é um dos pilares do desenvolvimento social e econômico, mas, no Brasil, ainda enfrenta barreiras que comprometem a qualidade de vida de milhões de pessoas. Apesar do avanço trazido pelo Novo Marco Legal, universalizar os serviços de água e esgoto até 2033 segue sendo uma meta ousada e desafiadora. Em meio a discussões sobre insegurança jurídica, regulação, financiamento e a complexidade de atender realidades tão distintas entre os municípios, especialistas de diferentes áreas se reuniram, na FEISP, para debater os entraves que persistem e apontar soluções que possam transformar esse cenário.
Na busca por cumprir as metas estabelecidas pelo Novo Marco Legal do Saneamento até 2033, especialistas, gestores públicos e representantes do setor privado se reuniram em um debate técnico sobre os principais desafios à universalização dos serviços de água e esgoto no Brasil. O evento trouxe reflexões sobre entraves institucionais, regulatórios e econômico-financeiros, bem como caminhos para garantir investimentos consistentes e efetivos.
O primeiro painel, intitulado “Desafios Institucionais para a Universalização”, foi moderado por Luís Felipe Valerim Pinheiro, diretor do Departamento de Infraestrutura da Fiesp. Ele destacou que a insegurança jurídica ainda é um dos principais obstáculos para a evolução do setor. “É fundamental reduzir a irregularidade nos contratos de saneamento, estabelecer indicadores claros de qualidade, cobrança eficiente e metas exigíveis. Para avançarmos, é necessário que investimentos públicos e privados caminhem juntos”, afirmou.
Ester Feche Guimarães, diretora dos Serviços de Água e Esgoto da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo, trouxe dados que revelam a complexidade da gestão no território paulista. Segundo ela, os serviços de saneamento no estado estão distribuídos entre 30 concessionárias privadas, 240 prefeituras e a Sabesp, que atende 375 municípios. O programa Universaliza SP, segundo a gestora, busca assegurar melhorias de qualidade e ampliar o atendimento, prevendo investimentos sob demanda de cada município, aportes do Estado e a inclusão de áreas rurais e assentamentos informais nas metas do Marco Legal.
Fernando Comin, representante do Conselho Nacional do Ministério Público, reforçou a dimensão do desafio em escala nacional. De acordo com os dados apresentados, 84,9% da população brasileira têm acesso à água tratada, mas apenas 56% contam com coleta de esgoto. Do volume de esgoto gerado, apenas 52,2% recebem tratamento adequado. Além disso, o país investe em média R$ 111,44 por habitante ao ano em saneamento — valor considerado insuficiente para alcançar a universalização no prazo previsto.
O segundo painel, “Desafios Regulatórios e Econômico-Financeiros à Universalização”, foi moderado por Frederico Turolla, sócio fundador da Pezco Economics e integrante da diretoria de saneamento da Fiesp.
Representando a visão do setor privado, Christianne Dias, diretora executiva da ABCON/SINDCON, alertou para os riscos de uma regulação inadequada, que pode comprometer avanços conquistados ao longo das últimas décadas. “É preciso cuidado para que a padronização de normas não ignore as diferenças regionais e a realidade de cada localidade. A regulação deve ser instrumento de fortalecimento, não de fragilização do processo”, ressaltou.
Entre os convidados, participaram ainda nomes, como Veronica Sanchez, diretora-presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA); Luciene Machado, superintendente do BNDES; Fabrício Soler, advogado especialista em resíduos sólidos urbanos; e Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil, que também apontaram a urgência de estratégias de financiamento diversificadas para atrair investidores e viabilizar projetos de longo prazo.
O debate evidenciou que a universalização do saneamento no Brasil não será alcançada apenas com avanços técnicos e normativos, mas sobretudo com coordenação entre diferentes atores institucionais, clareza regulatória e mecanismos de financiamento sustentáveis.
Ao final, a percepção geral foi a de que o país já possui as condições para avançar de forma mais consistente. Contudo, como reforçou Luís Felipe Pinheiro, é imprescindível alinhar segurança jurídica, investimentos e regulação eficaz para que a universalização deixe de ser um objetivo distante e se torne uma realidade acessível a todos os brasileiros. (Por Luana Oliveira)