Garimpo ilegal ameaça as 20 maiores árvores do bioma
Liderada pelo instituto O Mundo Que Queremos em parceria com outras 20 organizações ambientais e pesquisadores, a campanha “Proteja as Árvores Gigantes” identificou que as 20 maiores árvores já registradas na Amazônia e na América Latina – todas da espécie angelim-vermelho (Dinizia excelsa), com alturas entre 70 e 88 metros – permanecem ameaçadas pelo garimpo ilegal, desmatamento e grilagem de terras. Descobertas em 2022 a partir de uma pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) conduzida em parceria com diversas instituições nacionais e internacionais, essas árvores centenárias – entre 400 e 600 anos – correm o risco de desaparecer antes mesmo de serem estudadas pela ciência e apresentadas ao mundo. A campanha “Proteja as Árvores Gigantes” tem mobilizado a sociedade civil e pressionado o Poder Público em defesa das árvores monumentais para cancelar cerca de 500 Cadastros Ambientais Rurais (CARs) ilegais pelo Governo do Pará, enfraquecendo a grilagem, e a criação, em setembro de 2024, do Parque Estadual das Árvores Gigantes da Amazônia. O novo parque foi desmembrado da Floresta Estadual do Paru (Flota Paru), uma das maiores unidades de conservação de uso sustentável do mundo, mas que não oferecia proteção adequada às árvores. “Não basta o parque existir no papel. É preciso assegurar a presença efetiva do Estado e garantir que a unidade de conservação cumpra sua função socioambiental, que é proteger de forma integral as árvores gigantes. A COP30 será a grande vitrine do Brasil para o mundo, e não podemos correr o risco de exibir um santuário que simboliza a grandeza da biodiversidade amazônica enquanto a floresta continua ameaçada”, afirma Angela Kuczach, articuladora da campanha e diretora-executiva da Rede Pró-UC.
O Parque Estadual das Árvores Gigantes da Amazônia, em Almeirim (PA) tem 560 mil hectares e é uma unidade de conservação de proteção integral criada para preservar a maior árvore do Brasil – um angelim-vermelho de 88,5 metros, equivalente a um prédio de 30 andares – e outros 12 exemplares gigantes. Apesar da nova categoria garantir proteção integral conforme o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), o Parque ainda enfrenta falhas significativas na fiscalização e gestão, colocando em risco a preservação dessas espécies e do ecossistema único onde vivem. A gestão do Parque está sob responsabilidade do IDEFLOR-Bio, órgão estadual encarregado das Unidades de Conservação do Pará. No entanto, um único gestor do Parque responde por essa e outras três UCs, que, somadas, abrangem cerca de sete milhões de hectares, o que compromete a atenção e a fiscalização necessárias para proteger o santuário das árvores gigantes.
No Amapá, a situação preocupa ainda mais, já que as sete árvores identificadas no estado estão distribuídas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Iratapuru, a Floresta Nacional do Amapá e assentamentos na região de Maracá-Camaipi. Na RDS do Rio Iratapuru, em Laranjal do Jari, está a segunda maior árvore já descoberta – um angelim-vermelho de 85,44 metros. Porém, essa categoria de unidade de conservação permite exploração madeireira autorizada e não garante proteção integral. Por isso, a campanha defende que, assim como ocorreu no Pará, seja criada uma unidade de conservação de proteção integral para assegurar a preservação desses exemplares.
Dentre as atividades realozadas na região, ujma das que mais compromete o santuário é o garimpo de ouro. No Amapá, a cerca de 1 km da segunda maior árvore já encontrada, opera um garimpo ilegal, vizinho ao garimpo São Domingos – outro foco antigo de mineração clandestina na região, enquanto o Parque Estadual das Árvores Gigantes, no Pará, também é pressionado pelo garimpo ilegal. Durante a consulta pública para sua criação, garimpeiros locais chegaram a se manifestar contra a implantação da unidade de conservação. Embora não se tenha dados oficiais que confirmem a presença de garimpos dentro dos limites do parque, moradores do entorno relatam sinais da atividade clandestina, como a coloração anômala da água de igarapés e o surgimento de clareiras recentes na floresta. A situação reforça a necessidade de investigações em campo e da análise de imagens de satélite para comprovar a extensão do problema.
O Governo do Amapá realizou fiscalização no município de Laranjal do Jari, em novembro de 2024, quando a Polícia Civil estadual apreendeu uma aeronave e interditou um aeródromo utilizado, de acordo com as investigações, como base de apoio e logística para garimpos ilegais situados no estado do Pará. O desmatamento ilegal ou autorizado também avança sob o santuário. A Flota do Paru, vizinha ao parque estadual, possui um histórico preocupante na perda de vegetação nativa: segundo o INPE, até 2023, cerca de 13 mil hectares foram desmatados. Em outubro de 2022, a unidade de conservação foi a quinta mais desmatada de toda a Amazônia.
O Ministério Público do Amapá obteve recentemente parecer favorável da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA-AP) para reconhecer como patrimônio natural sete árvores gigantes – todas com mais de 80 metros de altura – localizadas em áreas de risco no estado. A Recomendação nº 0004/2024, da Promotoria de Meio Ambiente de Macapá, propõe o tombamento desses exemplares e a criação de uma Área de Preservação Permanente (APP) com raio de 1 km ao redor de cada um, impedindo seu corte ou qualquer exploração econômica. As árvores estão distribuídas pela RDS Iratapuru, Floresta Nacional do Amapá (Flona) e assentamentos da região de Maracá-Camaipi. O angelim-vermelho situado em Maracá-Camaipi encontra-se em área de concessão florestal, enquanto quatro indivíduos localizados no Cupixi estão próximos a zonas de garimpo. O movimento “Proteja as Árvores Gigantes” reconhece a importância da iniciativa de tombamento, mas ressalta que somente a criação de uma unidade de conservação de proteção integral – como um parque estadual – poderá assegurar, de forma efetiva, a preservação do santuário no Amapá.
A pesquisa utilizou tecnologias avançadas de sensoriamento remoto e mais de 900 sobrevoos na região para descobrir as árvores, mas apenas 1% da floresta amazônica foi mapeada para a presença dessas árvores, sendo que muitos exemplares podem ter sido derrubados antes de serem identificados. “Encontrar uma árvore com 60 metros já é raro. Estamos investigando os fatores que causaram esse fenômeno de gigantismo e esperamos encontrar muitas outras árvores gigantes, inclusive maiores que 88 metros”, explica o pesquisador Robson Lima, da Universidade Estadual do Amapá (UEAP), integrante da equipe do estudo, que após a descoberta passaram a realizar o monitoramento das árvores. A primeira parte da pesquisa teve a participação de pesquisadores de diversas instituições brasileiras e internacionais, como o Instituto Federal do Amapá (IFAP), a Universidade Estadual do Amapá (UEAP), a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e as Universidades de Swansea e Cardiff, no Reino Unido.