Qualidade da água do Tietê piora em 2025
A Fundação SOS Mata Atlântica acaba de lançar a mais recente edição do estudo ‘Observando o Tietê’, às vésperas do Dia do Rio Tietê, celebrado em 22 de setembro, mas com resultados preocupantes para a qualidade do maior rio de São Paulo. Embora a extensão de água imprópria para usos múltiplos (a “mancha de poluição”) tenha diminuído de 207 km em 2024 para 174 km em 2025, retração de 15,9%, o número de pontos monitorados classificados como de boa qualidade teve uma redução significativa. Caíram de três para apenas um (1,8%), enquanto a maioria se manteve entre as categorias regular (61,8%), ruim (27,3%) ou péssima (9,1%). Mais uma vez, não houve pontos classificados como ótimos.
Os dados revelam que a bacia do Tietê registrou um ciclo de recuperação entre 2016 e 2021, quando a qualidade regular e boa da água aumentou e a mancha de poluição no rio principal chegou ao menor patamar recente, com 85 km. A partir de 2022, no entanto, essa trajetória se inverteu e a mancha voltou a crescer, atingindo o pico de 207 km em 2024, enquanto os trechos de água boa diminuíram. “Agora, como vemos, há uma redução da mancha para 174 km, mas acompanhada da menor extensão de água boa da série. Além disso, quando olhamos para a série histórica, percebemos que a piora em 2024 não foi um ponto isolado, mas o agravamento de uma tendência de retrocesso iniciada em 2022. Ou seja, apesar de oscilações anuais, a qualidade do Tietê permanece altamente vulnerável e não há sinais consistentes de recuperação duradoura”, afirma Gustavo Veronesi, coordenador do projeto Observando os Rios na SOS Mata Atlântica.
Com 1,1 mil km da nascente à foz, o Tietê atravessa o estado de São Paulo de leste a oeste e corta áreas urbanas, industriais, de geração de energia hidrelétrica e de produção agropecuária. O rio é dividido em seis unidades de gerenciamento de recursos hídricos (UGRHs), também chamadas de bacias hidrográficas. A bacia do rio Tietê abrange 265 municípios, num total de mais de nove milhões de hectares – 79% inseridos no bioma Mata Atlântica. O relatório foi elaborado no âmbito do projeto Observando os Rios e teve a participação de 46 grupos de voluntários em 24 municípios, com apoio de universidades e da equipe técnica da Fundação. No total, foram analisados 55 pontos em 41 rios da bacia do Tietê, com base no Índice de Qualidade da Água (IQA) – indicador que considera parâmetros físicos, químicos e biológicos (como oxigênio dissolvido, coliformes fecais, turbidez, fosfato, nitrato), além de pH, e classifica a água em cinco categorias (ótima, boa, regular, ruim ou péssima). Já os dados utilizados para mensurar a evolução da mancha de poluição sobre o rio Tietê foram extraídos da média dos indicadores obtidos nessas análises e combinados a informações oficiais da CETESB, a fim de complementar trechos onde não há grupos de monitoramento.
No trecho entre a nascente, em Salesópolis, e Barra Bonita – que corresponde aos primeiros 576 km do rio Tietê –, o relatório indica que 120 km registraram qualidade ruim (contra 131 km em 2024) e outros 54 km foram classificados como péssimos (eram 76 km no ano anterior). A água de boa qualidade se restringiu a apenas 34 km, entre Salesópolis e Biritiba Mirim, queda de mais de 70% em relação aos 119 km registrados em 2024, enquanto a condição regular avançou para 368 km, frente a 250 km no ano passado. Embora a condição regular tenha prevalecido e represente um avanço em relação a cenários anteriores, a classificação ainda impõe restrições aos usos múltiplos da água e evidencia a elevada vulnerabilidade do rio. “A qualidade permanece altamente suscetível a variações climáticas, descargas e remanescentes de esgoto tratados e não tratados, operações de barragens, efeitos de eventos extremos e acidentes ambientais, o que reforça a necessidade de vigilância contínua e a urgência de ações estruturais de despoluição”, explica Veronesi. A vulnerabilidade do rio fica ainda mais evidente diante de pressões adicionais, como a redução significativa das chuvas nos últimos anos (de 2.050 mm em 2010 para 1.072 mm em 2024), que compromete a diluição de poluentes. Somam-se a isso incidentes graves, como o rompimento de um interceptor de esgoto na Marginal Tietê, em julho, e despejos irregulares no Pinheiros e no próprio Tietê, em junho e agosto, que anularam parte dos avanços recentes.
O Projeto Tietê começou há 30 anos a partir da mobilização popular e tornou-se um marco na luta por rios limpos e continua a exigir continuidade, aceleração e transparência. Hoje, rebatizado de Integra Tietê, enfrenta um cenário mais complexo, com a privatização da Sabesp e a necessidade de ampliar a capacidade regulatória do Estado. A governança participativa é apontada como condição indispensável. Os Comitês de Bacias Hidrográficas que abrangem a área do estudo ‘Observando o Tietê’– especialmente os do Alto Tietê, dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) e da unidade Sorocaba-Médio Tietê – devem ter papel mais ativo, uma vez que a responsabilidade é coletiva: poder público, agricultores, empresas e concessionárias de saneamento devem ser cobrados para que a qualidade da água melhore de forma progressiva e contínua. “Não basta ampliar a coleta e o tratamento de esgoto. Para que o Tietê avance de forma consistente, é fundamental adotar planos integrados de gestão da bacia, capazes de articular saneamento básico, uso do solo, proteção e restauração da Mata Atlântica e fortalecer os instrumentos de governança hídrica e adaptação às mudanças climáticas”, afirma Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica. Nesse caminho, ganham peso as chamadas soluções baseadas na natureza: criação de parques lineares, recuperação de nascentes, recomposição de matas ciliares, proteção das corredeiras, além de infraestrutura verde e descentralização do tratamento de esgoto. “Rios limpos são uma conquista coletiva. É preciso um pacto entre governos, empresas e cidadãos para que o Tietê volte a ser símbolo de vida, cultura e pertencimento”, completa a diretora.
O projeto Observando os Rios atua como ferramenta de mobilização e ciência cidadã: transforma dados coletados por voluntários em pressão social, educação ambiental e subsídios para políticas públicas. Em 2025, remadas e mutirões ajudaram a aproximar a população do tema, enquanto a Expedição Tietê, realizada em parceria com universidades, percorreu todo o rio para investigar a presença de microplásticos, pesticidas, fármacos e organismos microbiológicos – e terá seus resultados divulgados em 2026. O Observando o Tietê conta com patrocínio da Ypê. O apoio é da Fundação Sol de Janeiro, Grupo CMA CGM e Grupo HEINEKEN Brasil. O relatório completo está disponível no site da SOS Mata Atlântica.
Como parte das ações de celebração do Dia do Rio Tietê, a Fundação SOS Mata Atlântica promove no sábado, 20 de setembro, uma remada simbólica no rio, em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (SEMIL) e o SP Águas. O evento terá início às 10h, na rampa de acesso próxima à Barragem da Penha, e contará com três regatas competitivas (às 10h, 11h e 12h), além de uma remada recreativa aberta ao público. A atividade será encerrada às 13h, com a premiação simbólica aos vencedores. A imprensa poderá acompanhar toda a ação mediante credenciamento prévio pelo e-mail [email protected].