Mapeamento vê projetos com potencial de US$ 263 bilhões em investimentos
Um mapeamento do Energy Industries Council (EIC) identificou 143 projetos de hidrogênio na América do Sul, com potencial de US$ 263 bilhões em investimentos, quase todos focados em hidrogênio verde. A ambição é transformar a região em grande exportadora do combustível, porém, a inciativa encara limitações de rede e infraestrutura, incertezas de mercado e lacunas em política pública, aponta novo Insight Report da entidade. Com base nos bancos de dados EICAssetMap e EICDataStream, o estudo mostra que os projetos de maior porte apontam principalmente mercados de exportação na Europa e na Ásia.
A maioria ainda está em fases iniciais, mas decisões recentes de governos e movimentos de mercado começam a melhorar o ambiente para investimento. “Os agentes do setor de hidrogênio na América do Sul vêm pressionando os governos por marcos regulatórios mais robustos e instrumentos financeiros adequados”, afirmam os autores. “Embora o setor ainda esteja em formação, 2025 marcou um ponto de inflexão, com sinais iniciais de reformasregulatórias e maior tração ao longo do pipeline de projetos”. Segundo o relatório, isso já aparece na prática em avanços de licenciamento, etapas de FEED (Front- End Engineering Design) e um fluxo mais consistente de decisões finais de investimento (FID): dez projetos chegaram à FID entre 2024 e setembro de 2025. Ao mesmo tempo, a consolidação da indústria tende a cortar o excesso de anúncios: cinco projetos foram colocados em suspenso no mesmo período.
Hoje, o parque operacional na região ainda é dominado pelo hidrogênio cinza em refinarias da Petrobras. O hidrogênio de baixo carbono permanece restrito a poucos pilotos de pequena escala na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Peru. Dos 143 projetos em desenvolvimento, 141 têm foco em hidrogênio verde. Os autores citam restrições de infraestrutura como um dos principais obstáculos no continente. Entre os problemas estão gargalos de transmissão, portos pouco preparados e, em algumas áreas, limitações de disponibilidade hídrica, o que cria “riscos à entrega dos projetos dentro do prazo e à escalabilidade”.
No Brasil, mesmo com a criação de um novo marco legal para o hidrogênio de baixo carbono, a perspectiva de créditos tributários, linhas de financiamento público da ordem de múltiplos bilhões de reais pelo BNDES e a formalização de hubs oficiais de hidrogênio, a expansão da rede e da transmissão ainda segura o avanço de grandes projetos — em especial no Nordeste, onde novos empreendimentos renováveis competem com a demanda já existente. No Chile, o impulso regulatório também ainda não se traduz em uma onda mais robusta de projetos chegando à FID. O país conta com estratégia nacional de hidrogênio, um plano de ação com 81 medidas, concessões de terras em regiões com recursos renováveis abundantes e uma proposta de crédito tributário de até US$ 5 por quilo. O relatório aponta, porém, dificuldades para conectar grandes polos remotos de geração renovável a portos e consumidores industriais em escala, enquanto, na Argentina, os entraves são principalmente políticos e macroeconômicos. O relatório descreve o país como potencial exportador de longo prazo, apoiado nos recursos eólicos da Patagônia, mas ainda travado na fase pré-FID. Instabilidade cambial, inflação elevada e incerteza de políticas minam a confiança de investidores e levam projetos privados de grande porte, conduzidos por empresas internacionais, a avançar mais devagar.
A fragilidade da cadeia de suprimentos se repete em toda a região. O estudo da EIC identifica 144 fornecedores com capacidade ligada ao hidrogênio na América do Sul; dois terços já atuam diretamente no segmento e quase 90% vêm de óleo e gás. Apenas uma fábrica de eletrólisadores em operação é citada, da brasileira Hytron, deixando o restante do continente dependente de equipamentos importados e pequenos projetos de montagem local. Para a cadeia global de suprimentos, essa combinação de potencial e fricção é familiar. A diretora global de Relações Externas da EIC, Rebecca Groundwater, avalia que os achados do estudo deixam clara a necessidade de equilibrar discurso e execução. “Os governos querem hidrogênio em larga escala, mas os projetos precisam de redes, portos e previsibilidade de receita. Sem esse alinhamento, o capital vai buscar outros destinos”, afirma. O relatório também aponta sinais positivos, como o crescimento de projetos-piloto em refinarias, frotas de mineração e cadeias de fertilizantes, além de uma onda de apoio internacional de bancos multilaterais e parceiros europeus. Há ainda um movimento de transição de estratégias amplas para instrumentos mais concretos, como leilões, créditos tributários e subsídios direcionados. O documento foi elaborado por Marco Maedo, analista de energia da EIC, Kevin Pedrosa, analista sênior de cadeia de suprimentos da EIC, e Guilherme Bie, analista de OPEX e descomissionamento da EIC.