Adaptação às mudanças climáticas deve andar de mãos dadas com os esforços de descarbonização
O clima da Terra carrega o impacto das emissões de gases causadores do efeito estufa acumuladas desde a Revolução Industrial. Parto de um diagnóstico que muitos podem considerar pessimista, mas que eu chamo de “realismo de emergência”: nosso barco civilizacional já atingiu o iceberg das emissões passadas. Devido à inércia do sistema climático e ao fracasso sistêmico das políticas globais, a meta estabelecida no Acordo de Paris, em 2015, de limitar o aquecimento a 1,5°C está, para todos os efeitos, fora de alcance.
Reconhecer essa dura realidade não é um ato de pessimismo. É a premissa essencial para sobrevivermos. A partir daqui, precisamos de um esforço de guerra em duas frentes simultâneas.
A primeira, e mais negligenciada, é a adaptação, que consiste em respostas aos riscos das mudanças climáticas para proteger a população. Ela não pode mais ser tratada como uma “reflexão tardia”, mas sim elevada ao mesmo nível de prioridade da mitigação, que se refere às estratégias de diminuição de gases de efeito estufa.
O abismo que separa a necessidade da ação é colossal: enquanto o Adaptation Gap Report do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) estima uma necessidade de até 387 bilhões de dólares por ano para adaptação, o financiamento público internacional foi de apenas 21,3 bilhões de dólares. Essa lacuna não é apenas um número; são os sistemas de alerta que não são instalados, as infraestruturas que não são construídas e, no fim, as vidas que são perdidas.
A segunda frente, a descarbonização, não pode ser abandonada. Pelo contrário, deve ser intensificada com “a fúria de quem luta pela sobrevivência”. Um esforço não anula o outro; eles são interdependentes.
Para não ficarmos paralisados pelo diagnóstico, é preciso provar que a adaptação funciona. Existem roteiros pragmáticos. Há estudos de caso de sucesso, que vão da engenharia hídrica dos Países Baixos – que, além de sistema de contenção de rios, inclui intervenções para o escoamento dos rios como o rebaixamento das planícies de inundação – à resiliência urbana de Cingapura – baseada, por exemplo, na infraestrutura permeável à água da chuva. Podemos aplicar esses aprendizados diretamente à urgente reconstrução do Rio Grande do Sul. Falo mais sobre essas e outras ideias no livro que escrevi, cujo título é: “Para Além da Negação: Realismo Climático e a Virada Urgente para a Adaptação” (Amazon).
O maior entrave não é falta de conhecimento técnico ou soluções prontas. É a falta de vontade política para implementar mudanças na escala e velocidade necessárias. Quebrar essa inércia exige liderança inequívoca do poder público, que deve assumir os esforços de descarbonização e de adaptação.
Mas essa liderança não pode ser isolada. A imprensa tem o papel de manter o tema no debate público de forma contínua e qualificada, ajudando a transformar ciência em compreensão popular e urgência política. A academia deve traduzir o conhecimento em soluções aplicáveis e acessíveis às comunidades e aos tomadores de decisão. A iniciativa privada, por sua vez, precisa reconhecer que investir em resiliência climática não é custo, mas garantia de continuidade de negócios e de mercados estáveis. E a sociedade civil deve pressionar, fiscalizar e participar das decisões que moldarão o seu próprio futuro. Somente com essa convergência de esforços – coordenada, persistente e ambiciosa – poderemos transformar o realismo de emergência em ação efetiva e resultados concretos.
Sobre o Autor
(*) Professor associado na Universidade Federal do ABC (UFABC), e discute em sua obra o futuro da energia no Brasil. Colaborou com o livro “Energia do Lixo”, vencedor do Jabuti Acadêmico de 2025 na categoria Engenharia.