ABC lança relatório sobre contaminação por microplásticos
A Academia Brasileira de Ciências (ABC) lançou recentemente dois novos relatóriosorganizados por grupos de trabalho compostos por Acadêmicos e outros especialistas. Os levantamentos abordam a exploração de petróleo na margem equatorial brasileira e a contaminação humana e ambiental por microplásticos, respectivamente. O relatório “Microplásticos: um problema complexo e urgente” foi elaborado por um grupo de dez especialistas, coordenados pelo vice-presidente da ABC para a região Norte, Adalberto Luis Val, e pelos professores Mário Barletta, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); e Maria Inês Bruno Tavares, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Os microplásticos são partículas milimétricas desses polímeros que acabam por se acumular no ambiente e nos seres vivos, cuja consequência de longo prazo nós só estamos começando a compreender. Estima-se que 400 milhões de toneladas por ano de plástico sejam produzidas, das quais apenas 10% são recicladas. Apesar de ser despejado em solo, a maior parte dos microplásticos são a água, poluindo os rios e chegando aos oceanos. Calcula-se que 80% do plástico nos mares venha de atividades realizadas em terra, enquanto os 20% restantes são de atividades marítimas, como a navegação e a pesca, gerando um nível de poluição que não é desprezível. “A pesca, sobretudo a artesanal, tende a utilizar cabos e redes que se deterioram facilmente e contaminam os peixes”, alertou Mário Barletta.
O acúmulo de microplásticos nos seres vivos foi um dos focos do estudo e já se comprovou a presença nos peixes, diversos produtos de origem bovina e suína, nas aves, nos anfíbios e até no mel das abelhas. O excesso também acontece em vegetais da nossa alimentação, como a alface, o arroz, o milho e a soja. Existem evidências de que os microplásticos estão bioacumulando na cadeia trófica, desde as plantas até os animais consumidores secundários e terciários, assim como ocorre com metais pesados e outros poluentes químicos. É o que mostra um artigo publicado recentemente por membros do grupo de trabalho.
Os microplásticos já foram detectados no intestino, nos pulmões, no coração, em fezes, na urina e até mesmo no leite materno. “Os microplásticos estão ultrapassando duas barreiras fundamentais do nosso corpo, a placentária e a cerebral. Já observamos microplásticos em fetos, inclusive no cérebro”, disse Adalberto Val. O relatório alerta para lacunas ainda existentes no conhecimento brasileiro sobre microplásticos, pedindo uma maior harmonização dos métodos de análise e a criação de uma infraestrutura apropriada para monitoramento, visando a concessão do Selo de Inspeção Federal para alimentos. O texto ainda elogia ações recentes de fomento à pesquisa e à inovação em microplásticos promovidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
Em linhas gerais, o estudo mostra que a solução para o problema passa pelo estímulo a uma economia circular, que aumente as taxas de reciclagem e reuso de plástico e seja capaz de prover uma destinação final segura a esses materiais. Outra necessidade é a inovação em polímeros, gerando alternativas sustentáveis aos atuais usos do plástico. “O problema dos resíduos plásticos não pode ser tratado de forma isolada, mas como parte de um sistema complexo, onde a sustentabilidade precisa ser um norteador em toda a cadeia de produção e consumo. A reciclagem tem um papel fundamental e precisa ser estimulada. Ela não resolve o problema sozinha, mas ajuda a mitigar e ainda gera empregos”, avaliou Maria Inês Bruno Tavares. Outro ponto importante é a educação ambiental, que deve ser promovida desde a educação básica. Além da presença nas escolas, o relatório defende campanhas de conscientização voltadas a diferentes públicos e diferentes meios de comunicação, ensinando sobre a reutilização e o descarte adequado do lixo. “Imaginar um mundo sem plástico ainda é muito difícil, ele ainda é insubstituível em áreas como a medicina e a aviação, por exemplo. Mas é de fundamental importância pensar na substituição dos produtos de uso único, como as sacolas de mercado. Não há necessidade da quantidade de plásticos que são usados como embalagens. Se conseguirmos diminuir esse uso, já seria de grande ajuda”, refletiu Adalberto Val.