Brasil tem potencial de 700 GW para projetos de eólica offshore
O Relatório de Energia Eólica Offshore da América do Sul do Energy Industries Council (EIC) mostra que o setor de energia eólica offshore na América do Sul é liderado por Brasil e Colômbia, mas enfrenta entraves regulatórios e deficiências de infraestrutura que podem atrasar um dos pipelines de energia verde mais promissores do mundo. Apenas no Brasil estão concentrados 225,8 GW de projetos propostos – o maior pipeline fora da Europa e Ásia –, mas ainda não há turbinas em operação nas águas brasileiras, conforme o levantamento. Já a Colômbia aposta em turbinas flutuantes para explorar águas mais profundas no Caribe, mas a ausência de um marco legal específico pode afastar investidores, alerta o estudo.
O Brasil tem um potencial estimado em 700 GW e já atraiu empresas como Shell, TotalEnergies e Ocean Winds. A Petrobras, tradicionalmente voltada ao petróleo, propôs 23 GW em projetos, incluindo duas fazendas-piloto com operação prevista para 2029. O avanço, no entanto, esbarra na insegurança jurídica. Uma lei aguardada há anos, sancionada em janeiro de 2025, abriu caminho para os primeiros leilões. Contudo, o Congresso ainda precisa resolver vetos em pontos polêmicos, como a distribuição de receitas e a extensão de usinas a carvão. O governo projeta o primeiro leilão apenas para 2026 – dois anos após a previsão inicial. “Os atrasos regulatórios no Brasil estão criando uma situação em que há muito interesse dos investidores, mas nenhum avanço prático até agora”, afirma Beatriz Corcino, autora do relatório e analista do EIC.
O Ibama aponta que 20,7% das áreas propostas para eólica offshore no país se sobrepõem, especialmente no Piauí (60%) e no Rio Grande do Norte (45%). Desenvolvedoras como Petrobras e Ocean Winds disputam as mesmas faixas costeiras, que ainda carecem de um processo formal de alocação. Pela nova lei, projetos sobrepostos poderão ser fundidos, realocados ou descartados.
A Colômbia acredita potencial técnico offshore de 50 GW de seus primeiros projetos até 2030. A costa caribenha do país oferece ventos de até 10 metros por segundo – comparáveis ao Mar do Norte. Mas a profundidade superior a 200 metros exige o uso de turbinas flutuantes. O leilão promovido em 2023 pela Agência Nacional de Hidrocarbonetos (ANH) atraiu nove proponentes, entre eles Ecopetrol, BlueFloat Energy e a chinesa PowerChina. A licitação visa conceder ao menos 1 GW de capacidade até dezembro de 2025. No entanto, os desenvolvedores enfrentam obstáculos: a Colômbia não conta com leis específicas para a energia eólica offshore e utiliza a regulamentação de licenciamento de petróleo e gás. “O leilão da Colômbia é um teste decisivo para a energia eólica flutuante em mercados emergentes”, afirma Neil Golding, diretor de Inteligência de Mercado do EIC. “Mas, sem um marco legal dedicado, os investidores podem vê-lo como uma aposta experimental e arriscada”. Dos 5,84 GW propostos na Colômbia, aproximadamente 75% são projetos flutuantes. A espanhola BlueFloat Energy lidera o pipeline, com 5 GW planejados na costa de La Guajira – região que enfrenta limitações na rede elétrica. O Ministério de Energia colombiano reconhece que a modernização da transmissão é “crítica”, mas ainda não há verbas alocadas.
O Brasil possui vantagem inicial em portos e tecnologias submarinas, mas o desmonte da indústria local de turbinas ameaça elevar os custos. Entre 2022 e 2024, as fábricas da GE Vernova e da Siemens Gamesa encerraram suas atividades no Brasil, diante da baixa demanda. Hoje, apenas a Vestas e a chinesa Goldwind operam fábricas relevantes no Brasil – com capacidade limitada para modelos offshore. Segundo o EIC, 57% dos projetos propostos no país preveem turbinas de 15 MW – maiores do que qualquer modelo atualmente fabricado na América do Sul. A maior parte dos componentes teria que ser importada da Europa, onde fornecedores como a britânica JDR Cable Systems e a alemã Siemens Energy já dominam a cadeia de suprimentos. “O Brasil tem os portos e a sinergia com o setor petrolífero para se tornar um polo regional, mas não consegue competir com a Ásia no custo das turbinas”, observa Kevin Pedrosa, analista de cadeia de suprimentos do EIC. “Sem exigências de conteúdo local, os desenvolvedores vão preferir importar”.
Países como Chile, Uruguai e Peru também tem potencial técnico relevante, mas seguem atrasados. A proposta chilena Viento Azul, de 960 MW e liderada pela britânica 17 Energy, aguarda licenças, enquanto o Uruguai mapeou 275 GW de capacidade offshore em 2024, mas ainda não recebeu propostas. O Peru tem potencial de 662 GW e segue inexplorado. “O sucesso da eólica offshore na América do Sul depende de três fatores principais, diz Corcino. Primeiro, clareza regulatória – o Brasil precisa definir regras de leilão, e a Colômbia, uma legislação específica. Segundo, modernização da rede elétrica – com investimentos urgentes em ambos os países. Terceiro, fortalecimento da cadeia de suprimentos – para atrair fabricantes e reduzir a dependência externa.