27% dos descartes no Brasil acontecem nas residências
O VII Seminário Internacional de Resíduos Eletroeletrônicos (SIREE), realizado no Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), no Rio de Janeiro, apresentou os resultados do Projeto RECUPERE, que mapeou as rotas de circularidade na gestão dos resíduos eletroeletrônicos (REE) e seus gargalos no Brasil. Um dos dados mais surpreendentes foi a origem dos resíduos eletroeletrônicos no Brasil : 27% são descartes das casas dos brasileiros, na frente de órgãos públicos (20%), resíduos comerciais (19%) e resíduos industriais (13%). “O país gera cerca de 2,4 milhões de toneladas de resíduos eletroeletrônicos por ano. As indústrias de recuperação de materiais e de produção de bens oriundos desses resíduos trabalham abaixo da capacidade instalada, por falta de matéria-prima. As quatro maiores empresas do setor somam 88% da capacidade de produção instalada no país, de mais de 285 mil toneladas por ano. Mas trabalham menos de 180 mil toneladas anualmente”, revela a pesquisadora do CETEM, Dra. Lúcia Helena Xavier, responsável pelo grupo de pesquisa REMINARE, contratado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação para realização da pesquisa.
Em contrapartida, o levantamento confirmou que em mais de 85% das casas brasileiras há equipamentos eletroeletrônicos com defeitos. “Quem não tem um celular quebrado guardado em uma gaveta e não sabe como descartar? O maior gargalo encontrado pelos pesquisadores na rota de circularidade na gestão de resíduos eletroeletrônicos foi a falta de políticas que incentivem o descarte adequado e a consolidação de pontos de coleta”, relata Dra. Emanuelle Freitas, pesquisadora responsável por essa etapa da pesquisa RECUPERE. De acordo com a legislação brasileira, o comércio e suas entidades gestoras, fabricantes e importadores são responsáveis por implementar as políticas de logística reversa dos resíduos eletroeletrônicos. Pelo contato mais próximo com o consumidor, o comerciante é um elo de grande importância nesse processo. Os pesquisadores enviaram um e-mail para 55 estabelecimentos comerciais em diferentes regiões do Brasil, contendo um formulário sobre pontos de entrega voluntária, mas não obtiveram retorno. “A complexidade da gestão dos resíduos aumenta à medida que os equipamentos saem da indústria e vão para o mercado de consumo. São cerca de 50 milhões de pontos de consumo (casas). O comércio está posicionado estrategicamente para ter o melhor contato com o consumidor para fazer a venda dos equipamentos. O mais lógico seria que ele fizesse também a coleta dos equipamentos depois da sua vida útil”, alerta o pesquisador Dr. Genyr Kappler, responsável pela pesquisa sobre PEVs no Projeto RECUPERE.
Em visitas a algumas lojas, a pesquisa constatou que a responsabilidade do setor de comércio no sistema de logística reversa não tem sido atendida. Os pesquisadores observaram que poucas disponibilizam PEVs, sendo que a maioria deles era subdimensionada ou mal alocada (em lugares de difícil acesso e identificação) nos pontos de comercialização, impactando a atuação dos consumidores no descarte correto. “Em alguns pontos comerciais, os vendedores não sabiam onde estava o equipamento para fazer a coleta. Demorava até encontrar alguém, geralmente o gerente, para conseguir a informação sobre como e onde fazer o descarte”, relata Dr. Genyr Kappler. Os pesquisadores verificaram ainda a atuação das entidades superiores de comércio, como sindicatos, que estabelecem todas as estratégias de logística reversa direcionadas aos pontos comerciais. Foram realizados workshops juntamente com o Ministério de Meio Ambiente, Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio e a Confederação Nacional do Comércio (CNC) sobre a regulamentação da política reversa. “As entidades estaduais demonstraram interesse em se implementar estrutura para aumentar a captação dos resíduos, mas nem todos têm capacidade instalada ou capacitação para isso”, explica o pesquisador. De acordo com os dados da CNC, 81% dos consumidores de eletroeletrônicos priorizam conserto, e apenas 23% utilizam pontos de coleta de resíduos. “Aqui está outra lacuna, porque a assistência técnica não está integrada com a cadeia de logística reversa”, acrescenta ele.
Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR) - Módulo Catador, até novembro de 2024, havia 660 organizações de catadores no país e 48% delas atuam com resíduos eletroeletrônicos. Os pesquisadores do projeto RECUPERE levantaram 128 organizações do setor, entraram em contato com 67 delas, resultando em 29 entrevistas gravadas e duas entrevistas presenciais. A análise revela o seguinte panorama das organizações de catadores: 100% dos catadores respondentes recebem resíduos eletroeletrônicos, com 95% realizando a triagem e 90% armazenando o material. A desmontagem ocorre em 70% dos casos ; a maioria dos catadores prefere não desmontar materiais, mas o faz por falta de alternativa, já que a venda do material é sua principal fonte de renda ; dentre os clientes, os principais compradores são para metais e plásticos e 30% das transações são com pessoas físicas ou atravessadores que não querem a emissão de nota fiscal ; o município é visto como um obstáculo, não um parceiro, apesar de delas utilizarem galpões cedidos pela prefeitura que não são licenciados ou fiscalizados pelo Corpo de Bombeiros e a maioria dos catadores recebe valores abaixo do salário mínimo e é dependente do Bolsa Família.
A pesquisa com as organizações catadoras, encaminhada pela pesquisadora Dra. Luciana Mofati, que resultou em tese de Doutorado defendida na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), teve o aprofundamento no sentido de evidenciar o potencial de aplicação de Crédito de Logística Reversa (CLR), regulamentada pelo Decreto 11.413, de 2024, que é uma das inovações no setor do país, abrindo oportunidades para fortalecimento da reciclagem de resíduos, entre eles os eletroeletrônicos. O resultado principal dessas entrevistas é sobre a percepção dessas organizações da proximidade com as demais organizações do sistema de logística reversa. “Eles têm a percepção de proximidade muito grande com o consumidor, conhecem o sistema de coleta seletiva das prefeituras, têm ecopontos. São muito próximos à comunidade e poderiam fazer um trabalho excepcional junto à população”, finaliza Dra. Luciana Mofati.