Projetos em andamento preveem investimentos de mais de R$ 370 bilhões
O Instituto Trata Brasil e a GO Associados divulgaram a 4ª edição do estudo “Avanços do Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil de 2025 (SINISA, 2023)”. O documento avalia o estágio de implementação da Lei nº 14.026/2020, além de analisar os potenciais ganhos socioeconômicos provenientes de maiores investimentos em saneamento. O Marco Legal do Saneamento Básico proporcionou mudanças significativas para impulsionar o setor rumo à sua universalização, mas o momento ainda é precário, já que 16,9% da população brasileira vive sem acesso à água potável e 44,8% não possuem coleta de esgoto. O Novo Marco do Saneamento estabeleceu que todas as localidades brasileiras devem atender a 99% da população com abastecimento de água e 90% com esgotamento sanitário até 2033. O objetivo é contribuir com a constituição de uma estrutura que incentive investimentos no setor, estimulando alternativas para o aumento da cobertura dos serviços básicos e com alicerces em cinco pontos : 1) Definição de metas para universalização dos serviços; 2) Aumento da concorrência pelo mercado com vedação a novos Contratos de Programa (instrumento pelo qual um ente federativo transfere a outro a execução de serviços); 3) Maior segurança jurídica para processos de desestatização de companhias estatais; 4) Estímulo à prestação regionalizada dos serviços; e 5) Criação de um papel de destaque para a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) na regulação dos serviços.
Entre 2019 e 2023, este último o ano com dados disponibilizados pelo Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (SINISA), o Brasil não registrou crescimento nos indicadores de saneamento básico. As evoluções do atendimento de água, coleta e tratamento de esgoto entre 2019 e 2023 foram de -0,5 ponto percentual (p.p) , 2 p.p e 5,5 p.p, respectivamente, onde nota-se uma pequena redução no índice de atendimento total de água. Embora o indicador de tratamento de esgoto tenha mostrado a melhor evolução, segue sendo o mais distante da meta de universalização. Após cinco anos da implementação do Marco Legal do Saneamento Básico, o estudo avalia os avanços sob as perspectivas regulatória e institucional. O estudo aponta que mesmo com os cinco anos passados desde a aprovação da nova lei, a disponibilidade de dados mais recente corresponde a um período de três anos após sua promulgação, (2020–2023), o que pode ser considerado breve para que haja efeitos significativos sobre os indicadores. Como são necessários projetos, licenciamentos e a realização de obras de infraestrutura, que são demoradas, é provável que a melhoria nos indicadores ocorra no médio e no longo prazo.
O Marco Legal do Saneamento Básico gerou uma capacidade econômico-financeira das concessões de saneamento frente às obrigações e metas impostas. Segundo o Decreto 11.598/2023, 2.008 municípios foram isentos de apresentar a documentação exigida, 2.888 estão em situação absolutamente regular e 311 foram considerados regulares, mas com alguma espécie de restrição A comprovação de capacidade econômico-financeira mede a habilidade dos prestadores em viabilizar os investimentos necessários à universalização dos serviços. Segundo estimativas realizadas pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), o Brasil precisaria de um investimento médio superior a R$ 223,82 por habitante para viabilizar a universalização até 2033. No entanto, o investimento dos municípios considerados irregulares é menos de um quarto desse valor, reforçando a avaliação negativa sobre a comprovação da capacidade econômico-financeira. Em outras palavras, caso não haja uma mudança de trajetória, tais municípios dificilmente conseguirão mobilizar os recursos necessários para a universalização. Sobre a distribuição dos municípios, a maioria das cidades em situação irregular ficam no Norte e Nordeste do Brasil, onde se concentra a maior parte da população que reside em municípios em situação irregular.
Já o número de municípios em situação pendente de comprovação de capacidade econômico-financeira quanto a população residente nos municípios com contratos considerados irregulares reduziu-se praticamente para 1/3 quando comparada ao cenário após o prazo do Decreto 10.710/2021, com o cenário atual, após o prazo do Decreto 11.598/2023. O número de municípios caiu de 1.106 para 363 municípios, representando uma redução de 13,8% para 3,3% da população. Dos 1.106 municípios inicialmente irregulares, 235 passaram a ser isentos, 370 comprovaram a capacidade e passaram a ser regulares e outros 140 também obtiveram a regularidade, mas com restrição. A principal explicação para esse avanço é a realização de licitações com a inclusão de modelos com a participação privada ou a reestruturação de contratos existentes em grandes centros urbanos, além da desestatização de companhias estaduais, como a Corsan e a Sabesp. É importante destacar que os municípios que já realizavam a prestação direta dos serviços – e que por definição são isentos – permaneceram praticamente estáveis no período, de modo que a variação positiva é atribuída quase integralmente às licitações e privatizações.
A regionalização dos serviços de água e esgoto é um objetivo explícito do Marco Legal do Saneamento Básico, que represente ganhos de escala na oferta pela concessionária (ou concessionárias) responsável, além de maior sinergia nos projetos a serem desenvolvidos. É, portanto, correlacionada às metas de universalização do atendimento de água, e coleta e tratamento de esgoto. A regionalização foi considerada em três perspectivas: região metropolitana, unidade regional de saneamento básico e bloco de referência. Dos 26 estados passíveis de passar pelo processo de regionalização, apenas dois apresentaram regionalização parcial (Minas Gerais e Rio de Janeiro). Amapá, Mato Grosso do Sul e parte do Rio de Janeiro passaram por processos de licitação que já contemplavam a estruturação de bloco regionalizados de prestação dos serviços de saneamento. Ainda que a maioria dos estados já possuam leis aprovadas e que contemplem os seus municípios dentro da prestação regionalizada, ainda está pendente a operacionalização destes blocos – o que representa desafios significativos devido à coexistência de diferentes prestadores de serviços e à necessidade de alinhar os interesses de múltiplos municípios.
Um dos objetivos do Marco Legal do Saneamento foi o de atrair capital para o aumento dos investimentos, seja através de concessões plenas dos serviços de água e esgoto ou através de celebração de parcerias público-privadas (PPP’s) com os prestadores regionais. Nos últimos cinco anos ocorreram processos licitatórios significativos no setor de saneamento, incluindo a licitação de blocos regionais para a prestação dos serviços. Somados, os projetos já em curso preveem investimentos de mais de R$ 370 bilhões, impactando quase 80 milhões de pessoas. No total, os projetos desenvolvidos desde a aprovação do Marco Legal do Saneamento de 2020 impactaram diretamente 1.557 municípios, distribuídos em 21 unidades da federação, o que evidencia a ampla disseminação geográfica dos novos arranjos institucionais e contratuais no setor.
Segundo o Ministério das Cidades, no Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), há a necessidade de cerca de R$ 511 bilhões, a preços de dezembro de 2021, para alcançar as metas de universalização. Considerando esse montante para preços de junho de 2023, o valor necessário para atingir a meta seria de aproximadamente R$ 516,4 bilhões. No entanto, esses valores não consideraram os investimentos realizados nos anos de 2021 a 2023, já disponíveis no SNIS e no SINISA. Esses investimentos foram de aproximadamente R$ 13,6 bilhões em 2021; R$ 22,5 bilhões em 2022 e R$ 25,6 bilhões em 2023, a preços correntes, respectivamente. Ao se ajustarem esses investimentos para valores de junho de 2023, obtêm-se aproximadamente R$ 18,9 bilhões em 2021; R$ 20,8 bilhões em 2022; e os mesmos R$ 25,6 bilhões em 2023, respectivamente. Ao se subtrair esses investimentos dos anos de 2021 a 2023, ajustados a preços de junho de 2023, do montante calculado no PLANSAB, restam ainda R$ 454,1 bilhões a serem investidos. Portanto, dividindo-se o montante restante necessário para a universalização pelo período de 10 anos, de 2024 a 2033, serão necessários investimentos anuais de R$ 45,1 bilhões. Para fins de comparação, considera-se a média de investimentos dos últimos cinco anos disponíveis no SNIS (2019–2022) e SINISA (2023). Esse valor, a preços de junho de 2023, é de aproximadamente R$ 20,7 bilhões, indicando que o investimento precisaria mais do que dobrar, não somente em 2024, mas em todos os anos subsequentes, para que a universalização seja possível até 31 de dezembro de 2033, conforme previsto em lei. Em relação às perspectivas de leilões, parcerias e concessões, que visam justamente a ampliação da capacidade de investimento no setor e a utilização eficientes dos recursos públicos, entendese que o BNDES seguirá como um ator importante. Foram identificados, a partir das informações públicas disponíveis para os municípios com projetos em estruturação, e pelo Hub de Projetos do BNDES, os principais projetos em fases avançadas de licitação, e que devem movimentar o setor.
A privatização da Copasa em Minas Gerais segue em debate e o PL que autoriza a operação encontra-se em discussão na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O estudo de concessão dos serviços de saneamento em Porto Alegre está sendo reformulado, segundo informações da prefeitura do município. O objetivo é focar na infraestrutura de drenagem urbana e sistema de proteção contra cheias, sendo que a captação e o tratamento de água continuarão sob responsabilidade do DMAE. Ainda assim, as informações apresentadas constam tal como no site do BNDES. Há nove projetos em Pernambuco, Maranhão, Rio Grande do Norte, Goiás, Rondônia, Paraíba e no interior de Alagoas que impactam 1.460 municípios de acordo com os valores indicados nos respectivos projetos do BNDES ou uma área com mais de 35 milhões de pessoas, com previsão de serem concluídos nos próximos dois anos. Além destes, foram identificados outros 93 potenciais projetos de concessão dos serviços de água e/ou esgoto, em diferentes estágios de maturação – desde estudos iniciais liderados pelo setor público até em processo de licitação. Estes projetos têm o potencial de impactar mais de sete milhões de pessoas, em diferentes regiões do Brasil.
Com isso, os projetos a serem desenvolvidos têm o potencial de adicionar mais R$ 62 bilhões em investimentos. Somando aos projetos já em andamento, o montante total a ser investido em decorrência do Marco Legal seria superior a R$ 430 bilhões, o que representa geração de empregos e renda para a população. Em relação a população total impactada pelos projetos já executados e previstos, o potencial de habitantes a serem diretamente beneficiados pelo Marco Legal seriam de aproximadamente 115 milhões, o que representa 54,3% da população brasileira estimada pelo IBGE em 2024. Esta proporção é similar aos 54,2% que os 3.017 municípios correspondentes a esta população representam do total de municípios no Brasil. Após apresentar os impactos dos projetos já realizados e o potencial dos que estão em desenvolvimento, buscou-se examinar o desenvolvimento dos projetos de saneamento básico no Brasil sob uma perspectiva regional, com iniciativas dos Estados. São seis os estados sem projetos nem licitações ou com projetos de saneamento paralisados. Três estão localizadas na região Norte do país: Acre, Amazonas e Roraima. Nenhuma destas Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESB) apresentou a documentação para a comprovação da capacidade econômico-financeira, como exigido pelo Decreto 11.498/2023, o que agrava a necessidade de projetos para regularizar os contratos irregulares. Outros doze estados já realizaram licitação, privatização, ou parceria público-privada (PPP) entre CESB e companhias privadas, sendo quatro do Nordeste, três no Sudeste, dois no Sul, dois no Norte e um na região Centro-Oeste. Por fim, oito estados estão com projetos em estruturação, em diferentes estágios de desenvolvimento. Destes oito, seis contam com a participação do BNDES: Goiás, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Maranhão e Rondônia
Quase 2.000 dias após a aprovação do Marco Legal do Saneamento Básico, a universalização do abastecimento de água e da coleta e do tratamento de esgotos segue sendo um desafio, e a estruturação e planejamento da infraestrutura, em conjunto com o aumento no volume de investimentos, seja por meio de leilões, concessões e parcerias, serão essenciais para mudar essa realidade. São 363 municípios com contratos irregulares em relação à prestação dos serviços básicos, e são essas localidades que enfrentarão os maiores desafios para alcançar a universalização. Muitas delas estão localizadas no Norte e no Nordeste do país, regiões que historicamente mais sofrem com a ausência de saneamento.
O país precisaria de um investimento médio superior a R$ 223,82 reais por habitante para cumprir com as metas do Marco Legal do Saneamento. Nos municípios irregulares, o investimento é de apenas R$ 53,63 por habitante. "Os R$ 45,1 bilhões anuais necessários para universalizar o saneamento até 2033 não são apenas números – são a linha que separa o Brasil da dignidade ou do atraso crônico. Enquanto esse investimento não se materializa, milhões de brasileiros pagam o preço diário: crianças com diarreia por água contaminada, adultos que faltam ao trabalho, idosos internados por doenças evitáveis. Cada contrato irregular de saneamento significa um município onde o desenvolvimento econômico trava, onde alunos faltam a escola por doenças evitáveis, onde o futuro é adiado. O relógio não para: 2033 está logali, e cada dia de lentidão condena uma nova geração ao mesmo ciclo vicioso", afirma Luana Pretto, Presidente Executiva do Trata Brasil. "Nestes cinco anos após a aprovação do Marco Legal do Saneamento, é possível avaliar que já há uma transformação em curso na dinâmica da prestação dos serviços no Brasil. Para além da mudança na lei, foi dada a segurança e os incentivos necessários para a realização dos investimentos, fundamentais para que o saneamento seja universalizado. Como consequência direta destas alterações proporcionadas pelo Marco, têm-se a mudança em como os serviços são prestados em 1.557 municípios, que representam uma população de quase 80 milhões de pessoas, com um compromisso de realização de investimentos e universalização dos serviços até 2033. Para os próximos 5 anos, as expectativas são de que se verifique efetivamente a melhoria do nível de atendimento de água e da coleta e tratamento de esgoto – e, portanto, a melhoria da qualidade de vida da população”, comenta Gesner Oliveira, Professor da EAESP-FGV e Sócio Executivo da GO Associados.